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Como se faz um influenciador? Brasil já tem 9 milhões deles
Investimentos em marketing de influência cresceram 72% entre 2020 e 2022 no país
Imagine o diálogo entre uma adolescente e aquela senhora que é a mãe da sua mãe: “O que eu quero da vida? Viver de influência, vó!”. Admitamos a possibilidade de a senhora, talvez na quadra dos 70, 80 anos, reagir com incredulidade ou até com uma ponta de irritação: “Viver do quê? Precisa estudar, trabalhar, pensar no futuro. Influência não paga as contas”.
Por melhores que possam ser as recomendações da avó, ela se engana. E mais: o mundo conspira abertamente contra as suas convicções. Hoje o Brasil conta com 9 milhões de influenciadores digitais, indivíduos que já descobriram que ter voz e imagem circulando nas redes sociais corresponde, sim, a um trabalho, talvez uma carreira, que não só pode vir a pagar contas, como financiar uma vida confortável.
Já são quatro vezes mais influenciadores do que professores neste país de 215 milhões de habitantes e 259 milhões de celulares. Seja nas relações de consumo, nos fronts da política ou no campo das ideias, ocupam a arena pública: dos 9 milhões, 62,2% são mulheres, 37,8%, homens, segundo a consultoria internacional Influencity Marketing Hub. Movimentam o cada vez mais disputado “mercado da influência”, que, por sua vez, é alavanca propulsora da economia de criador – ou “creator economy”, como também é conhecida. Em 2022, o setor fechará o ano com movimentação global de US$ 16,4 bilhões.
Para analistas, a expansão destes números é caminho seguro, ainda que Elon Musk e Mark Zuckerberg, respectivamente os todo-poderosos donos do Twitter e do Facebook/Instagram, tenham sacudido as bolsas com demissões em massa nas últimas semanas. Há uma razão para se acreditar que os abalos sejam pontuais: dinheiro. As plataformas ganham muito com a publicidade e seus agentes. E querem ganhar mais.
Perfil do influenciador
Mas de quem se fala quanto o tema é “influenciadores”? Da jovem que usa o TikTok para compartilhar hábitos e preferências, a partir de seu quarto? De um guru pregando terapias alternativas? De um defensor do meio ambiente? Do empresário que busca as redes para falar do próprio negócio? Do candidato de olho no eleitorado? Do craque de futebol que coleciona grifes, namoradas e contas bancárias? Ou do rapper cheio de sonhos, nascido e criado na favela?
Todos os perfis cabem no inesgotável catálogo humano. E, se há um aspecto a destacar na definição do influenciador digital, é o de que ele age num espaço democrático. Afinal, qualquer pessoa pode gerar e postar seu conteúdo. Assim se faz a mais radical revolução de comunicação e marketing desde os tempos do profeta do mundo global, Marshall MacLuhan (1911-1980).
A pesquisadora Issaaf Karhawi, com mestrado e doutorado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), iniciou seus estudos sobre o universo da influência em 2013, primeiramente interessada em saber quem eram as blogueiras de moda que pipocavam na internet nos tempos do Orkut, a rede social criada pelo Google em 2004. Afinal, quem eram aquelas jovens amadoras que conquistavam largas audiências, que da noite para o dia passaram a ser convidadas para as primeiras filas dos desfiles, palpitavam com liberdade sobre tendências de estilo e assustavam as revistas especializadas, que mal começavam a engatinhar no mundo digital?
“Ali percebi o surgimento de um novo modelo de profissional no campo da comunicação. As blogueiras inauguraram um jeito de falar diante do computador e depois do celular, articulando um discurso horizontal, inspirado no cotidiano. Foram aprofundando essa experiência até construir uma marca em torno de si mesmas”, explica Karhawi, que deu um título sugestivo para a sua pesquisa: “Eu como Mercadoria”. Ou seja, o “eu” funciona como commodity nesse mundo feito de exposição permanente e disputa pela atenção; ao passo que a “imagem de si” identifica um sujeito revestido de capital simbólico, capaz de engajar.
Muitas daquelas blogueiras viraram youtubers, depois tornaram-se influenciadoras de prestígio, criaram suas marcas e acabaram se lançando no mundo dos negócios como empresárias. Um exemplo da trajetória é Julia Petit. Esbanjando charme, ela firmou um jeito de comunicar ensinando truques de maquiagem pela internet. Criou mais tarde a sua própria marca de cosméticos e ainda se mantém confortavelmente ativa no Instagram, a bordo de quase meio milhão de seguidores. Pode-se dizer que abriu caminho para muitas das suas concorrentes.
O avanço global dos “influencers” – termo amplamente utilizado no jargão do meio – teve também a ver com o avanço tecnológico das plataformas. Os tempos do Orkut ficaram para trás. Pela facilidade com que hoje se edita um vídeo a partir do celular, o Instagram consolida-se como a plataforma preferida dos criadores de conteúdo, tornando o Facebook um ambiente digital envelhecido. Outras redes surgem, e tudo vai ficando mais fácil, ágil, criativo. Bia Granja, cofundadora e CCO (diretora creativa) da Youpix, uma das mais ativas consultorias de negócios para a “creator economy”, ao lado de Rafa Lotto, sócia e head de planejamento da empresa, acompanha esse mundo em permanente evolução desde 2006.
“Infelizmente no Brasil não temos tanta informação disponível para análise do setor quanto nos Estados Unidos. Sabemos que, entre os 9 milhões de criadores brasileiros de conteúdo no Instagram, 36% já vivem da influência. Nesse contingente, 75% faturam entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, o que não é muito, porém, começa a superar a renda média do brasileiro, que é de R$ 2,5 mil, segundo o IBGE”, compara Granja. “É preciso considerar que ser influenciador, no Brasil, acaba sendo uma forma de ascensão social. Isso tem que ser levado em conta”, acrescenta Lotto, ao lembrar que a pandemia foi determinante para o crescimento do setor, “porque todo mundo precisou se reinventar de uma hora para outra. Houve um salto quântico da atividade”.
Entre 2020 e 2022, com o coronavírus circulando, os investimentos em marketing de influência cresceram 71% no Brasil. Este dado integra as pesquisas que a Youpix tem feito em parceria com empresas, colocando a influência na perspectiva do negócio – até porque, no final das contas, é disso que se trata.
Pesquisa Ibope Inteligência já havia detectado que 52% dos internautas brasileiros seguem pelo menos um influenciador. Este percentual contém em si um formidável potencial de reverberação, levando-se em conta a audiência dos campeões brasileiros do Instagram: em primeiro lugar, disparado, o craque Neymar Jr., com 187 milhões de seguidores; em segundo, o ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho, com 68,7 milhões; em terceiro, a cantora Anitta, com 63,4 milhões; em quarto, o lateral-esquerdo Marcelo Vieira, com 59,7 milhões; em quinto, o humorista Whindersson Nunes, com 58,7 milhões.
Influência = renda
Como a partir de uma certa presença digital o criador de conteúdo não só é remunerado pelas plataformas, mas cobiçado pelo mercado anunciante, influenciar torna-se, assim, sinônimo de monetizar. Desde o tipo mais idealista até o mais vendedor, influenciadores sabem que podem vir a faturar bem.
Mas a pergunta que muitos se fazem é: como se destacar entre milhões de pessoas que se valem das mesmas ferramentas para chamar a atenção dos outros sobre si mesmos?
A métrica de aferição de impacto pelo número de seguidores ainda é uma ferramenta importante, porém, não a única. Hoje o mercado da influência leva em conta o poder de ressonância do criador digital, o quanto ele é capaz de mobilizar audiências, se consegue falar para fora da bolha, se é capaz de produzir conteúdos originais e atraentes. Há ferramentas tecnológicas específicas para rastrear influenciadores segundo suas características e potencialidades. Lidando com inúmeros filtros da extraordinária massa de dados pessoais disponível na web, estes programas conseguem descobrir perfis muito específicos.
É nesse ponto que os influenciadores se tornam atraentes para empresas dispostas a colar neles as suas marcas. Hoje, criam-se mais e mais departamentos de marketing de influência digital dentro das empresas; a verba para conteúdo de criador vem correndo como água para o mar; e a satisfação da clientela vai bem, obrigada. Segundo uma pesquisa da Youpix com 414 empresas de diferentes tamanhos, 55,6 % trabalham com marketing de influência; dessas, 87% preferem os conteúdos no formato “short video”, publicados preferencialmente no Instagram, depois no YouTube e TikTok.
Uma líder de mercado como Magazine Luiza, que ao longo dos anos firmou sua marca em formatos convencionais de publicidade, hoje admite que o marketing de influência ganhou relevância estratégica. “Estes criadores conseguem traduzir nossos objetivos de negócio e de comunicação para a comunidade deles, com os conteúdos deles, falando com públicos aos quais muitas vezes não tínhamos acesso. Não posso informar percentual de investimento, mas dizer que mais da metade dos investimentos do meu departamento vai para marketing de influência e a outra metade vai para a construção da Lu, a nossa influenciadora digital virtual, que [nesta categoria] já é a mais seguida no mundo”, revela Pedro Alvim, gerente do setor de redes sociais e influência do grupo.
A tendência é cada vez mais as marcas optarem por ver seus produtos atrelados a influenciadores, que nem sempre são astros, ao contrário, frequentemente microcelebridades. Atrelar produtos àquela “imagem de si” de que fala Issaaf Karhawi.
Identidade com o seguidor
É razoável reconhecer: seja no caso de uma jovem diva como Bruna Marquezine, atriz, top model, 43,4 milhões de seguidores no Instagram, seja no caso de Casimiro Miguel, gordinho bonachão com 3,7 milhões de seguidores, fenômeno midiático ao transmitir jogos da Copa em seu canal, enfim, seja num caso ou noutro, quem acaba fazendo o influencer é o influencer. “Porque ele tem que estabelecer uma relação de intimidade com quem o segue. Tem que falar de igual para igual, sem hierarquia, passando autenticidade. Sem isso, nada feito”, descreve Karhawi. “Vivemos em plena cultura da participação. Hoje as pessoas querem muito mais quem as conecte do que apenas quem se comunica bem”, explica Bia Granja.
Procurado pelo Valor, Casimiro recusou pedido de entrevista. Sua assessoria respondeu de forma muito profissional, informando que, no momento, ele prioriza a transmissão dos jogos da Copa do Mundo em seus canais. Sinal inequívoco do poder que conquistou. Outros convites foram feitos pela reportagem a influenciadores de destaque, com reações parecidas, ou seja, evitar exposições que não sejam as que eles próprios criam e oferecem. Paradoxalmente, essas pessoas se exibem o tempo todo, mas não perdem de vista o controle da própria imagem. Temem cancelamentos de audiência e, é evidente, de contratos de publicidade.
Só que, numa atividade focada na autoexposição, não faltarão oportunidades para rompantes narcisistas, derrapadas monumentais na vulgaridade, grosserias e, pior, mistificações e falsidades. Por isso, cabe separar os aspectos positivos e negativos da influência. Entre os positivos, o bom engajamento. Por exemplo, a depender dos circuitos que percorrem, influenciadores podem estimular o interesse dos mais jovens pela leitura – em recente levantamento do setor editorial, notou-se que 60% das indicações de livros vêm dos criadores de conteúdo digital. Outro aspecto positivo: influenciadores podem ser determinantes no engajamento da população mundial em formas de vida sustentável.
A influenciadora americana Lauren Singer, hoje com 31 anos, ficou conhecida dentro e fora dos Estados Unidos ao compartilhar na internet as suas experiências em torno da “zero waste life”, ou seja, a vida sem gerar lixo. Começou a desenvolver estratégias pessoais nesse sentido quando ainda cursava a universidade. Depois criou um blog, o Trash is for Tossers (algo como lixo é para babacas), conquistou legiões de seguidores nas plataformas, e seus TED Talks dispararam na preferência: neles, Singer sobe ao palco levando um pequeno pote de vidro na mão, com algumas coisinhas dentro. Sua primeira frase para o público: “Este foi todo o lixo que não consegui reciclar nos últimos três anos”. A plateia vem abaixo. Hoje é CEO de uma empresa voltada para produtos sustentáveis, a Package Free, com sede em Nova York.
Influência política
Mais um aspecto relevante: influenciadores têm a possibilidade de engajar os jovens na política, construindo uma reação à onda de desencantamento em torno da democracia representativa, como foi verificado nas últimas décadas. Na campanha de 2022, no Brasil, foram notáveis os esforços do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para estimular os jovens a partir dos 16 anos a tirarem o título. O tribunal lançou campanhas avalizadas por celebridades, incluindo o astro Leonardo DiCaprio, centenas de entidades da sociedade civil e um time pesado de influenciadores digitais – entre eles, Anitta, Bruna Marquezine, Whindersson Nunes, Luísa Sonza.
Resultado: segundo o TSE, foram mais de 2 milhões de novos títulos na faixa etária do “primeiro voto”, um salto de 47% em relação a 2018. Anitta, por sua vez, protagonizou uma inflexão política de alto impacto nas redes: na corrida presidencial de 2018, disse que a sua escolha para presidente era secreta. Em 2022, declarou voto em Lula.
Esta parte sensível do universo da influência, a política, não por acaso vem sendo olhada atentamente por centros de pesquisa no Brasil e pelo mundo. “Decidimos estudar o marketing de influência a partir de 2020, procurando analisar as campanhas políticas como espaços de mídia”, explica a cientista política Ester Borges, do InternetLab, um centro independente de pesquisa multidisciplinar sobre a web. “A verdade é que os influenciadores digitais, em sua esmagadora maioria, não têm a dimensão do seu poder de impactar o debate público e a opção política. É algo colossal.”
“Nem tudo é glamour”, adverte Bia Granja. Essa esmagadora maioria pode também atuar nas plataformas na lógica do trabalho precarizado, como criadores “uberizados” de conteúdo: muito esforço, muita dedicação para se manter visível, para um retorno financeiro incerto. Algumas iniciativas, como as desenvolvidas pela Redes Cordiais, ONG dedicada à educação midiática, tentam levar conhecimento a esse público através de guias e workshops que tratam, por exemplo, sobre como lidar com as campanhas eleitorais, como combater a desinformação, como usar a influência no enfrentamento da pandemia, como desabilitar mentiras sobre vacinas.
“Essas capacitações são fundamentais. Uma jovem que dá dicas de maquiagem numa plataforma precisa ter noção da força da sua voz num momento mais grave, seja ao longo de uma campanha, seja diante de uma questão de saúde pública”, prossegue Borges. “Precisa ter conhecimentos básicos, como o de que influenciadores não podem ser contratados por candidatos, nem receber de campanhas, nem sair por aí produzindo ‘livemício’, o comício virtual.” Ela pondera que, além de faltar regulamentação, a legislação brasileira foi toda pensada para rádio e tevê, e não para a internet. “Há muito a ser estudado e feito.”
O que se viu na campanha de 2022, ecoando o que já fora vivido no Brasil em 2018, foi a consolidação das plataformas digitais como palco preferencial do debate político. Trata-se de um espaço onde se encontram influenciadores posicionados, como a socióloga Sabrina Fernandes, que se ocupa dos temas políticos da esquerda radical, e Allan dos Santos, apoiador irredutível de Jair Bolsonaro e propagador de conteúdos filiados ao pensamento da extrema direita. Ao carregar na desinformação e no discurso de ódio, demonstrando ter método e financiamento para isso, Allan dos Santos passou a ter problemas com a Justiça brasileira: seu pedido de prisão preventiva foi autorizado pelo STF, daí ele fugiu para os Estados Unidos, seu nome passou a constar da lista internacional de procurados da Interpol, teve seu passaporte cancelado e pode ser extraditado em algum momento. É um caso e, infelizmente, não o único, que foi parar na esfera criminal.
“Falta ainda entender melhor como operam os influenciadores da chamada ‘nova direita brasileira’. Eles se multiplicaram na internet no contexto da polarização, acionando uma comunicação de choque, o politicamente incorreto, o descrédito nas instituições. Não chegaram agora. Os primeiros sinais desse fenômeno foram vistos em 2013”, conta a pesquisadora do InternetLab, destacando aqui a linha de estudos de Camila Rocha, cientista política e integrante do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Em entrevista ao jornal “O Globo”, após o segundo turno, Rocha previu a continuidade das investidas digitais da “nova direita brasileira”, segmento da população inconformado pelo “mal” ter vencido o “bem” em 2022, na sua visão. Daí, segundo a entrevistada, a necessidade de uma esquerda mais digitalizada, para fazer frente a esse tipo de influência mais ideologizada.
Sobre isso, Ester Borges comenta que influenciadores do campo da esquerda tentaram mimetizar recursos de persuasão utilizados por influenciadores da direita bolsonarista, na reta final da campanha. “Por exemplo, perceberam que os memes funcionavam bem e então apelaram para eles. O [deputado e ex-candidato presidencial] André Janones, que é um influenciador digital importante, fez o que estava ao seu alcance para contribuir com Lula no segundo turno. Ele pode falar o que quiser como pessoa física, porém, tem limites para atuar como influenciador numa campanha. A influência política, especialmente no campo da esquerda, ainda precisa encontrar os seus caminhos.”
Embora a desinformação seja o desafio mais grave que se tem pela frente – uma vez que hoje ela é uma indústria dentro da internet -, a relação entre marcas e criadores poderia vir a ser um fator de moderação em favor da informação com veracidade.
Numa outra pesquisa envolvendo 136 marcas, 438 influenciadores e 205 criadores de conteúdo, a Youpix constata que “existência política” não significa “posicionamento político”. Entre os influenciadores e criadores ouvidos, 58% admitem tratar de questões políticas em suas manifestações, abordando, em ordem decrescente, pautas ligadas a grupos minoritários ou invisibilizados (77%), notícias do mundo político, propriamente dito (53%), a importância de se tirar o título (52%), a importância do voto consciente (51%) e democracia (50%).
Influenciando pelo bem
Já ouvindo as marcas, a pesquisa descobre que 84,6% delas apoiam uma causa pública, a saber: inclusão, diversidade e desigualdade (66.9%), sustentabilidade e meio ambiente (52,2%), educação e cultura (41%), saúde (26,5%), democracia (11%). Indagadas se posicionamento político interfere na contratação dos criadores digitais, 77,2% das marcas responderam “sim”. No entanto, 80% das marcas garantiram que não iriam alterar suas ações de marketing digital por conta das eleições.
Do lado dos criadores de conteúdo, 86% deles disseram que passarão a olhar melhor os valores e os compromissos das marcas, antes de fechar os “jobs”. Surgiram nos grupos da pesquisa frases como “minha audiência pede que eu me posicione” ou “por que vou me associar a uma marca vazia?”.
Felipe Neto, quase 17 milhões de seguidores só no Instagram, crítico de Jair Bolsonaro, justificou a importância de se ter um posicionamento: “Hoje, o influenciador que fica neutro é cúmplice”. Mesmo com opções explícitas, Felipe Neto continuou sendo Felipe Neto: deitou e rolou nas ações de marketing de influência da Black Friday, após as eleições.
Nesse embate entre marcas, empresas, aceleradoras de marketing e influenciadores, há quem se preocupe com algo que está longe de ser uma banalidade: a influência cresce no país refletindo a diversidade brasileira? Para a professora Issaaf Karhawi, o racismo algorítmico é uma realidade e tem a ver com falta de transparência de algumas plataformas – aliás, queixa recorrente no mundo da internet. “É impressionante como se reforça o estereótipo da influenciadora jovem, branca, magra, alta. São as mais requisitadas e visibilizadas. Ao passo que influenciadores negros são menos contratados e podem ficar no limbo nas plataformas.”
É dando passagem para o Brasil diverso que se detecta alguém como Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro. De meme nas redes, criando encenações futebolísticas bizarras e invocando Deus aos berros, Luva virou um líder de audiência com 19,6 milhões de seguidores. É talento bruto, arrebatador, certamente contará com apoio para evoluir nesse caminho.
Entre os influenciadores afrodescendentes, que possivelmente desafiam algoritmos branqueadores, tem-se uma figura como Dandara Pagu, revelando com inteligência a dureza de ser mulher negra, periférica e feminista. Ou um jovem como Tukumã Pataxó, distribuindo conteúdos em torno dos saberes e sabores indígenas. Ou Gilda, de 80 anos, e Sônia, de 84, as Avós da Razão, provando ser possível enfrentar o preconceito da idade nas redes sociais. Ou a formidável Nathaly Dias, a Blogueira de Baixa Renda, moradora do Morro do Banco, no Rio de Janeiro. Suas lives são uma aula de sociologia. Mostram que favelado trabalha, brinca, sonha, planeja, é feliz, “e nem precisa fazer academia para chegar em casa”, ironiza, suando em bicas ao escalar as ladeiras da comunidade.
Rafa Lotto confia que a diversidade prevalecerá. E aposta: “Gente, a humanidade é progressista. Tem avó levando aliança em casamento gay!”.